sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Prof César

De repente um senhor me abordou da saída de estação de trem em Osasco, não o reconheci imediatamente pela quantidade de cabelos brancos. Prof César! O profsor mais temido e icônico da Coronel Antonio Paiva de sampaio. Não importasse a temperatura que estava a sala de aula, ele sempre para impor um pânico, batia a porta ao entrar seguido de um breve, sonoro e formal “boa tarde”, só que naquele dia na parte de dentro da porta alguém tinha escrito com letras garrafais a palavra: CÚ! Prof César ficou atônito olhando aquele enunciado por um tempo, era possível ver a medida que suas veias inflavam no seu pescoço e em suas têmporas, o clima de silencio na classe ia tomado uma forma atmosférica como se alguém tivesse ativado uma bomba:

- Quem escreveu isso aqui? Bradou o profs sem que ninguém o respondesse, acrecitando que a resposta seria interpretada como um desafio seguido de uma ostilidade militar;
- EU PERGUNTEI QUEM FOI QUE ESCREVEU ISSO AQUI? Apontando energicamente para a porta?
- SE NINGUEM SE MANIFESTAR VOU DAR SUSPENSÃO PARA TODA A CLASSE!!!!!
Como quem tenda desesperadamente salvar seu pescoço alguém meio que sussurra:
- A gente não sabe professor! Quando chegamos já estava... acho que ... bem foi alguém do período da tarde...
- VOCÊS ACHAM CERTO ISSO??? O QUE VOCÊ ACHA DISSO- apontando para um dos alunos da primeira fileira. O coitado só conseguia balançar a cabeça horizontalmente.
- PALAVRA MO-NO-SÍ-LA-BA TERMINADA EM VOGAL COM ASSENTO?????? ISSO É UM ABSURDO! UM HOMICÍDIO PARA COM A LÍNGUA PORTUGUESA! CU COM ASSENTO? SÓ SE FOR O DE QUEM ESCREVEU...
Era assim o prof César.Lendario nas formas de nos catequizar na língua pátria. Odiado pela maioria e amado por poucos. Mas eu o compreendia, e desenvolvi uma certa amizade com ele, a partir de um dia em que revelei que um dos meus sonhos seria ser escritor. Ele me pediu que fizesse uma redação, fiquei muito preocupado com meus erros de gramática, porem ele a encaminhou para um concurso de redação de uma escola técnica que existia na época que seria um concurso nacional, onde seriam premiados os primeiros lugares. Eu no entando tirei 4º lugar (nada mau para nível nacional não?) não levei nada, mas sua atitude e incentivo ficaram pra sempre comigo.
João boca torta. Era assim que cruelmente um garoto foi apelidado na época de colegial. Morador de uma favela dentro de meu bairro, a deficiência marcante em sua fisionomia era impossível de se ignorar para os cultuadores do “bulling”. Mas era seu combustível para vingaça contra o mundo, e reagia violentamente, tanto verbal ou fisicamente a que lhe caçoava. Era maldito por todos, constantemente apanhava na classe ou na saída, não abaixava a cabeça para ninguém, nem os mais fortes, nem os maiores .Eu por sua vez, era muito retraído e tímido, assim eu era a vítima perfeita para João. Pescotapas, sardeladas e beliscões, até o dia em que virei a mesa em cima dele, literalmente. Dei tantos socos na cara dele, prensando-o entre a parede e a mesa do professor que não deu tempo nem de que ele respirasse ou que pudesse se defender. Seu rosto ficou tão inchado que pensei que sua boca ate voltaria para o lugar. Ele respeitou minha atitude, e a partir daquele dia ficamos amigos.

Numa das inquisitórias sessões de chamada oral do prof César, ele insistentemente pedia para João conjugar um verbo que estava na lousa, sem sucesso, João travava, gagejava, e suava como se estivesse sendo interrogado no DOPS. Prof César sutilmente percebeu que o aluno lacrimejada do olho esquerdo.
Como eu tinha um considerável grau de intimidade com João, fiquei sabendo que esse professor considerado o pior dos carrascos, o levara para fazer exame de vista e lhe encomendara um óculos de grau que João utilizou por muitos anos seguintes.
Esse era o verdadeiro prof César.
Festa de formatura, estávamos muito acima do considerável para um bêbado: prof César, João e eu, o prof foi ao banheiro, eu permaneci no balcão da cervejaria e alguém chamou João de lado, ele nunca tinha deixado suas bárbaras maneiras de impor seu respeito, e era dessa conversa que se tratava essa interrupção. Quando olhei de lado, tinha cinco pessoas batendo em João, antes que eu pensasse em ajuda-lo ( atitude imbecil já que eu tinha certeza que ele sabia por que estava apanhando) eis que prof César surge voando por cima de uma mesa que estava na saída do banheiro como numa cena de BATMAN dos anos 60. as pessoas que agrediram João nem eram alunos, nem convidados da festa.
A reação foi instintiva, minha e de vários outros alunos, nos juntamos ao prof e quase acabamos com a festa de formatura.
Esse era o prof César

Foi então depois de todo um flashback instantêneo estendi a mão para aquela preciosa figura que povou a neurose de muitas crianças da minha época.
- O que tem feito de bom .
- Fala prof! Porra não vejo o sr há quantos anos !Ah! Eu trabalho em banco profs. Não sou escritor não, fiquei de passar lá na escola para a gente tomar aquela cerveja que eu sempre cobro o sr.
- Eu estou na ultima semana da minha carreira letiva na verdade! Deixe me ver... hoje é segunda feira... na quinta-feira o pessoal da escola esta armando uma festinha de despedia para minha aposentadoria daí eu deixarei definitivamente de lecionar, na festa estarão todos os ex alunos que a gente consegui contarar, muitos deles se tornaram profs então será uma festa de confraternização onde eu não faço a menor questão, mas todos insistiram muito e estão preparando a festa a alguns meses já.
- Putz que maneiro... com certeza estarei la!!!
A vida é estranha mesmo. Essa foi a ultima vez que falei com aquela pessoa que eu adimirava muito. Para uma profunda decepção dos ex alunos que organizaram a festa, prof césar foi localizado na quarta-feira da mesma semana morto no chão da sala de seu apartamento, onde já estava a 2 dias. Morreu só. Mas foi uma despedida digna da reputação do severo prof César mesmo. Cumpriu todo o seu papel com maestria e dignidade ate o ultimo dia de seu contrato, e azedou a alegria da galera do fundão como fez em todas as suas aulas.
Ao saber da notícia, obviamente depois de lamentar o ocorrido senti me imensamente honrado por ter compartilhado os conhecimentos daquele cara, alem de inspirado fazer na vida pelo menos uma coisa grandiosa: deixar uma marcante memória de construção de conhecimento ou ao menos plantar uma semente de duvida na cabeça dos céticos

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